Fernando Moreira – Presidente do Conselho de Administração do INOV
Lido há décadas com uma tremenda dificuldade em conseguir explicar o âmago do que me ocupa também desde há essas mesmas décadas. A inovação. Mesmo que no início nem eu soubesse que estava envolvido nela (pelo menos conscientemente), cruzo-me com os conceitos de invenção, investigação e inovação desde “pequeno” na minha carreira profissional. E sempre me pareceu que só eu é que tinha dificuldade em perceber bem o que me envolvia: todos os que se vão cruzando comigo tacitamente aceitam que eu estou “ligado à inovação” e, portanto, realizo algo muito [Insert Your Favourite Valuable Adjective Here].
Vou aqui tentar mais uma vez.
Inovação: o que é e o que não é
Contemplando um qualquer cenário do dia a dia de um ser humano, deparamo-nos com objetos ou situações que para acontecerem ou ali estarem necessitaram de intervenção criativa, inovação e (alguma) produtização, até atingirem o estado que observamos. E isso não se aplica apenas a um café no Chiado, um navio de cruzeiro no Golfo Pérsico, um avião a sobrevoar o Índico ou um submarino a cruzar o mar de Bering. Também se reconhece numa aldeia em Moçambique, num acampamento na Amazónia ou numa praia de Vanuatu. O que se pode observar em qualquer desses locais é que alguém criou algo para resolver um problema, para acudir a uma necessidade, para antecipar uma falha. E não significa que todos esses “algos” tenham originado produtos ou serviços ou processos comercializáveis, podem ter servido apenas para uma necessidade pontual, local, imediata.
No fundo, se cada um de nós se debruçar sobre as suas próprias experiências diárias tem matéria de sobra para perceber os processos inventivos e de inovação. Desde longas histórias de evolução (o telefone é um excelente exemplo, e sugiro que tentem segui-lo desde Antonio Meucci até aos dias de hoje) até pequenos saltos individuais.
Portanto, a inovação não é investigação, se bem que possa ser originada nela, mas vai para lá dela. A inovação não é invenção, pode partir de uma, mas tem de ir mais longe. A inovação é a aplicação prática de uma invenção ou investigação, com mercado, mas não precisa de uma invenção ou investigação para existir. A inovação explora novas ideias, permite obter novos produtos, serviços e/ou processos, criando valor. A inovação não é apenas tecnologia, mas pode utilizá-la para existir. A inovação tem um momento certo para aparecer, ou arrisca-se a não o ser. O progresso (o que nos leva a viver como vivemos ao longo do tempo) baseia-se na nossa capacidade de investigar, inventar e inovar continuamente (o telefone, os veículos a motor, a televisão, o computador, revolucionaram a nossa vida nos últimos 100 anos e demonstram isso mesmo, o papel da inovação).
Inovação: caminho para o sucesso com licença para falhar
Há alguns conceitos que vou aqui recordar, porque são relevantes em toda a cadeia de inovação entendida hoje como centro do progresso humano. Um inventor é uma pessoa ou um grupo de pessoas capaz de gerar ideias para novos produtos, serviços ou processos. A invenção é a ideia, o conceito ou o desenho, apresentado normalmente na forma descritiva ou em desenho. Após essa etapa, avança-se normalmente para uma produtização do conceito, onde já começa a ser necessário algum investimento (e patrocínio, nos casos mais elaborados). E depois… depois vem o empreendedorismo, que arrisca em alguma(s) ideia(s) e a(s) financia, até um estádio em que consideramos o resultado como uma inovação, ou seja, na altura em que os passos traçados desde o inventor levam a algo comercializável, disponibilizado no mercado. E depois, é disseminar e crescer, melhorar, renovar, … no fundo avançar para novas inovações, incluindo as que substituem as anteriores.
Consegui dizer isto tudo sem mencionar patente, design, projeto, engenharia, materiais, fabricação, …, mas não devo esquecer que todos ou alguns desses tópicos estão presentes de alguma forma nos diversos tipos de inovação que possamos identificar para análise. É que, para que o processo tenha sucesso, exige-se investigação, desenvolvimento, teste, no fundo conhecimento colocado ao serviço dos “candidatos a inovação”.
E apenas segui o caminho do sucesso, entendido aqui como algo que realmente atinge o mercado e se afirma como alternativa de uso. Porque há um ainda maior número de ideias que não consegue vingar, que não prossegue para a comercialização, por inúmeras razões.
Há alguns mitos sobre a inovação que também gostava aqui de desmontar: sendo o processo criativo um dos passos da inovação, criam-se desde logo ideias preconcebidas. Como só os rebeldes, os génios, os loucos, os artistas, … é que são criativos. Ou ainda que ou se nasce criativo ou não. Ou que só um elevado nível de inteligência permite a criatividade. Ou mesmo que os criativos se reúnem, “desaparecem de circulação”, e um dia regressam com ideias geniais. Aliás, quando pensamos em criar ou inovar pensamos em génios (Da Vinci, Newton, Galileu, Darwin, Marie Curie, Einstein, Hawking…). Mas na verdade há uma imensidão de criativos, inovadores e empreendedores que mudaram o nosso dia a dia, mostrando que a inovação acontece todos os dias. O que seriamos nós sem parafusos, tesouras, lápis, sapatos, escadas, talheres, carros de compras, … No fundo, todos os que estão atentos e procuram descobrir respostas para resolver as necessidades com que nos deparamos.
Inovação nas organizações: orientação para a mudança e criação de valor
No campo organizacional, inovadores não são apenas os que aparecem com novidades maravilhosas (com mercado!!!) mas sim os que se ajustam ao longo do tempo à mudança rápida das necessidades dos seus clientes. Como já não há ciclos de vida longos e estáveis dos produtos, as empresas temem que os seus produtos e/ou serviços sejam ultrapassados rapidamente, pelo que procuram desesperadamente distinguir a sua oferta, e a inovação surge naturalmente na vida das organizações. Aliás, já se considera hoje em dia que a inovação deve passar a ser o valor máximo das organizações, substituindo a qualidade, que deve ser dada como adquirida.
Ocorre-me destacar aqui algumas diferenças entre a invenção individual e a organizacional. O indivíduo inventa porque é alimentado por uma qualquer curiosidade técnica ou científica, para melhorar algo que não agrada, para ganhar dinheiro, até por altruísmo. Nas organizações está hoje perfeitamente entendido que é necessário melhorar continuamente produtos e serviços, pelo que inventar e inovar é estratégia de negócio, é necessidade absoluta de melhoria, é aproveitar novas oportunidades (de mercado, tecnológicas, de materiais, …), é seguir políticas governamentais.
A inovação é, então, o ato de utilizar e transformar conhecimento em valor ao serviço do planeta e dos seus habitantes. Identificar, avaliar e refinar uma ideia, transformando-a num conceito de negócio, é uma parte muito relevante do processo de inovação. E não, não é verdade que o resto seja só fazer. Há um “pequeno” pormenor que se prende com vender que… bem, se calhar o melhor é deixar esse tema para outra altura!
Resumindo: a inovação é fundamental e é comum
A inovação (ou, mais abrangentemente, o I&D+i – investigação, desenvolvimento e inovação) tem sido alvo de um grande foco nas últimas décadas, com uma importância relativa forte em termos globais, acompanhado de indicadores relevantes (programas, fundos, percentagem de PIB gasta, colaboração, multidisciplinaridade, …). A pandemia associada à Covid-19 revelou-nos que a colaboração em I&D+i funciona, juntando fontes de saber e empresas, recordando-nos que nestes ambientes de grande stress civilizacional (tal como as guerras…) estes são temas que avançam a passos largos e determinam o rumo dos acontecimentos.
Preenchi os parágrafos atrás sobre inovação sem utilizar alguma abordagem técnico-científica, mas ela existe. Identificando os tipos de inovação, e situando-os no mercado e na tecnologia ou na dinâmica organizacional, estudando o impacto da inovação ao longo dos séculos, os seus grandes ciclos desde o século XVIII, recordando Joseph Shumpeter, analisando o processo de inovação desde a geração de ideias à recolha dos benefícios, identificando os entraves à e o clima de inovação… Deixo isso para quem sabe.
Ao reler o que escrevi acima, consigo resumir que afinal inovar é… ser humano!
Acho que ainda não foi desta que consegui explicar o que faço. Vou continuar a procurar caminhos de explicação.